Justiça determina que Prefeitura ajude donas de abrigos para animais





Prefeitura diz que vai recorrer
Thereza Felipelli


Foi publicada esta semana uma sentença que obriga a Prefeitura de Ilhabela a arcar com parte dos custos de animais abandonados cuidados por duas senhoras na cidade. Trata-se de uma grande vitória para Dochie Dobrota, 57 anos, e Sandra Regina Meirinho, 54 anos, moradoras do arquipélago que há muitos anos resolveram abdicar de suas próprias vidas para se dedicar a essa missão, com recursos próprios. Atualmente elas cuidam de centenas de animais. São 60 cachorros no canil de Dochie e 180 gatos no gatil de Sandra, onde vivem ainda 50 galinhas, 40 patos, 4 gansos, 8 jabutis, 3 cágados, 7 galinhas d’angola, 8 codornas e um saruê (gambá silvestre), a grande maioria vítima de maus-tratos ou encontrada por elas com problemas de saúde. E elas sabem o nome de todos, ou pelo menos quase todos. Para não causarem nenhum incômodo a vizinhos, as duas usaram todas as suas economias e compraram um terreno na Estrada do Camarão, local distante do centro da cidade, e construíram ali um abrigo que foi demolido pela Prefeitura, segundo elas, sem qualquer notificação, em novembro de 2009, antes mesmo que os animais fossem levados para lá. Na ocasião, um pedido de aprovação encontrava-se em trâmite.


Ainda de acordo com elas, além da demolição, os materiais existentes no local (madeira, telas, telhas) foram destruídos para que não pudessem ser reaproveitados depois. Mas elas não desistiram. Com a ajuda de doações, empréstimos, reergueram o local, que ainda precisa de muitas melhorias.
Com a ajuda da advogada Maria Fernanda Carbonelli Muniz, a dupla ingressou com uma ação contra a prefeitura e uma liminar foi concedida obrigando a Administração a fornecer gratuitamente meia tonelada de ração para cães e gatos até que conseguisse provar que estava cuidando desses animais errantes do município, além de fornecer vacina, medicação e a castração gratuita para todos, e aprovar sem qualquer custo a aprovação do projeto do canil e do gatil. “A prefeitura, por sua vez, descumpriu a decisão por diversas vezes, e ingressou por três vezes com recurso perante o Tribunal de Justiça. A decisão foi parcialmente revista e agora foi proferida a sentença de primeira instância”, comemorou a advogada.


Sentença
Trecho da sentença diz que “há constatação de que a eventualidade de encerramento do projeto implicaria imediatamente em dezenas e dezenas de cachorros e gatos errantes se proliferando indiscriminadamente e abandonados à própria sorte pelas ruas, terrenos baldios e praias desta localidade”.
Outro trecho diz ainda que “na falta do oferecimento desse serviço pelo agente público e, uma vez disponibilizado por iniciativa particular, com visíveis resultados reconhecidos pela sociedade, natural que o Poder Público participe pelo tanto que lhe cabe, por conta de suas atribuições e pelos resultados que dele aufere, à vista da contrapartida que a iniciativa das requerentes preenche com relação a essa lacuna”.
Assim, ficou estabelecido que o município irá arcar com 60% do consumo mensal da cota de fornecimento de ração para cães e gatos, a serem entregues no abrigo mantido pelas rés, cujo abastecimento será calculado à ordem mensal de 16 quilos por cão e três quilos por gato, sob pena de improbidade administrativa”, ainda, danos materiais apontados no valor de R$ 11.895.


Dedicação e amor
São 200 metros de uma ladeira muito íngreme para chegar até o abrigo de animais. “Eu subo isso aqui todos os dias. Meu carro está ruim, mas quando estava sem ele tinha que subir isso todos os dias carregando 20 quilos de ração”, conta Dochie, que chegou a pedir pra ser demitida de um bom emprego no Yacht Clube para usar o dinheiro para a construção do primeiro abrigo, que foi demolido. Hoje trabalha no lugar da recém-falecida Maria do Frade no supermercado, ganha um salário. Praticamente tudo vai para a compra de ração, que adquire com a ajuda da Associação Protetora de Animais de Ilhabela (Apailha), pagando preço de custo. “Sobra R$ 17 pra viver”, lamenta ela, que tem terceiro grau, doutorado. “Eu tinha dois carros bons, perdi tudo. Sei o que é ser favelada”, diz ela, mostrando o local onde vive, junto aos animais. “Só pra vermifugar gasto no mínimo mil reais. Nunca saio de dívida, vivo estourando o cartão de crédito. O Dr. Denis me ajuda muito, outros veterinários também, são muito solidários comigo”, comenta Dochie. “Tudo o que eu visto é tudo doado. Não compro uma calcinha pra mim. Em mês que não teve doação, já cheguei a ficar mais de 15 dias comendo pão e maionese. Mas quando falta ração aí sim eu desespero. Se você me der 10 reais, tiro um pra mim, o resto é dos bichos”, diz ela, que assim como Sandra é vegetariana e abdicou da própria vida em prol dos animais.
Questionada sobre o processo, ela é enfática: “Só queria que me indenizassem pelo que fizeram. Não quero a ajuda deles”.


Outro lado
A reportagem perguntou à Prefeitura de Ilhabela por que a construção foi demolida e que tipo de trabalho é realizado no município voltado aos animais que são abandonados nas ruas. No entanto, foi respondida apenas a segunda pergunta. Através de sua assessoria de imprensa, a prefeitura explicou, por meio da Secretaria de Assuntos Jurídicos, que o caso está dentro do prazo para recurso, que será protocolado nos próximos dias.
O município implantou em 2009 o Programa Municipal de Respeito Animal, que contempla quatro projetos, de atendimento a animais de grande porte, silvestres e marinhos, além de cães e gatos. No caso específico (cães e gatos), a Prefeitura recolhe fêmeas em matilha ou andando soltas nas ruas, vermifuga, vacina, elimina ectoparasitas, castra, identifica com microchip e promove a adoção. Ao todo, desde 2009, foram castrados cerca de 4,7 mil animais, sendo 61% das fêmeas do município. Com isso, a Prefeitura acredita ter conseguido efetuar o controle populacional destes animais.


Esse trabalho é desenvolvido por meio de um credenciamento de médicos veterinários particulares com atuação no município. No total são seis veterinários credenciados, além de cinco funcionários municipais. Desta forma, a Prefeitura tem uma capacidade diária de efetuar 25 castrações/dia.
Mensalmente o Programa de Respeito Animal promove a Campanha “Adote um Amigo”, com tendas montadas nos principais pontos da cidade, onde moradores e turistas têm a oportunidade de adotar gratuitamente cães e gatos já castrados, vacinados, vermifugados e microchipados, incluindo filhotes.
Em Ilhabela, como em qualquer outro município, ainda há cultura de deixar animais “semidomiciliados”, isto é, possuem proprietário ou responsável, mas com livre acesso às ruas. A Prefeitura de Ilhabela faz divulgação permanente durante as feiras de adoção e por meio de cartilhas escolares municipais sobre a “Posse Responsável”. Finalmente, a Prefeitura disse ainda que a Apailha (Associação Protetora dos Animais de Ilhabela) não possui abrigo para receber animais, visto que apoia a conduta do Programa Municipal de Respeito Animal para controle populacional.


Ajude!
Quem quiser ajudar pode depositar qualquer quantia no Bradesco – agência 1013 – conta corrente 10510-4, em nome de Dochie Dobrota.


Foto: Jorge Mesquita/IL

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