Em busca de pinguins, expedição encontra show de baleias em Ilhabela

 


Em busca de pinguins, expedição encontra show de baleias em Ilhabela

Reportagem acompanhou monitoramento de animais marinhos no litoral de São Paulo depois que um número recorde de pinguins-de-magalhães mortos ou debilitados apareceram em praias brasileiras.  

SEXTA-FEIRA, 14 DE AGOSTO DE 2020
POR JOÃO PAULO VICENTE
FOTOS DE ETHEL BRAGA
A bióloga Dominique Gallo fotografa o salto de uma jubarte no mar de Ilhabela, litoral de São Paulo. 

A bióloga Dominique Gallo fotografa o salto de uma jubarte no mar de Ilhabela, litoral de São Paulo. 

FOTO DE ETHEL BRAGA

“Baleia! Baleia!”

Quem via a empolgação de Dominique Gallo poderia imaginar que era a primeira vez que ela avistava o mamífero. De um pulo em pé na proa da Stenella, uma lancha de 35 pés utilizada pelo Instituto Argonauta para fazer monitoramento de praias de difícil acesso no Litoral Norte de São Paulo, a bióloga apontava a nadadeira dorsal quase imperceptível – notada primeiro pelo biólogo Manuel da Cruz Albaladejo – algumas centenas de metros à frente do barco. 

Nos últimos dois anos, Dominique trabalhou com turismo de avistamento de cetáceos – baleias e golfinhos – na Ilha da Madeira, em Portugal. Por lá, 28 espécies desses animais podem ser observadas com bem mais facilidade que na costa brasileira. Mesmo assim, conta ela, os encontros nunca são banais. “Não cansa, cada vez elas têm um comportamento diferente”, diz. “Eu sempre tenho a mesma emoção, fico toda arrepiada.”

Não fosse a pandemia da covid-19, Dominique estaria bem longe. O plano para 2020 era trabalhar durante o verão do hemisfério norte nos Açores, outro arquipélago em Portugal, ou na Islândia. Mas com as fronteiras fechadas, ela ficou em Campinas. Os meses longe do mar, porém, deixavam Dominique inquieta. No começo de julho, juntou-se ao Instituto Argonauta como voluntária. E ainda que as baleias sejam uma surpresa agradável, o grosso do trabalho era outro: cuidar e entender como e por que morreram tantos pinguins nas praias brasileiras neste inverno – um número recorde.

De janeiro a junho deste ano, 2.567 pinguins foram encontrados mortos ou debilitados entre Laguna, no litoral de Santa Catarina, e Saquarema, no Rio de Janeiro – a área monitorada pelo Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos (PMP-BS) –, quase 30 vezes a mais do que no mesmo período de 2019. No litoral de Santa Catarina, 1.153 foram resgatados somente no mês de junho. No de São Paulo, 1.161.

Volta em Ilhabela

O PMP-BS foi criado em 2015, como condicionante do Ibama para que a Petrobrás pudesse explorar a camada do pré-sal na Bacia de Santos. A área de monitoramento é divida em 15 trechos, que ficam a cargo de 11 institutos diferentes. O Argonauta é responsável pelas praias dos municípios do litoral norte de São Paulo – Ubatuba, Caraguatatuba, Ilhabela e São Sebastião. Por lá, o primeiro pinguim-de-magalhães foi encontrado em 9 de junho, na praia de Itaguaçu, em Ilhabela. A partir daí, eles passaram a aparecer às dezenas. Até o fim de julho, 567 pinguins haviam sido recolhidos, 423 deles mortos e 144 vivos.

O monitoramento é feito a pé em centenas de praias de fácil acesso quase diariamente e, de barco, em outras mais remotas uma vez por semana. A reportagem acompanhou uma dessas saídas de barco, contornando Ilhabela em busca de animais marinhos.

Beleia-jubarte no mar de Ilhabela. Com o aumento da população de jubartes na costa brasileira, avistamentos de ...

Beleia-jubarte no mar de Ilhabela. Com o aumento da população de jubartes na costa brasileira, avistamentos de baleias são cada vez mais comuns no litoral de São Paulo.

FOTO DE ETHEL BRAGA

“Entre pinguins mortos e vivos, só eu encontrei 40”, diz Manuel da Cruz Albaladejo, biólogo da instituição que trabalha na equipe embarcada na Stenella junto ao marinheiro Willian Moreira. “Mas teve gente que pegou, em um só dia na praia, 100 animais”, conta ele. Em 27 de junho, por exemplo, foram encontrados 194 pinguins mortos.

Manuel é cria de instituições de pesquisa e preservação marinha de Ubatuba. Em 1995, com 15 anos, conheceu a base do projeto Tamar na cidade, a primeira em uma área de alimentação – e não apenas de reprodução – de tartarugas-marinhas. “Eu fiquei encantado. Saía da escola e ia para lá todo dia, ficava vendo os estagiários explicando as tartarugas”, conta. “Uma hora, eu mesmo já estava dando as explicações.” Logo ele arrumou um estágio no local. Mas, no ano seguinte, quando o Aquário de Ubatuba foi inaugurado ao lado da base do Tamar, a paixão mudou de lugar e ele de emprego: virou bilheteiro do aquário.

Depois de estudar Biologia, Manuel voltou à região, desta vez para trabalhar com o Instituto Argonauta, em 2015, no início do PMP. Desde então, já viu algumas cenas inusitadas no mar. Em junho, durante um dos monitoramentos embarcados, por exemplo, ele notou um comportamento estranho em um pequeno grupo de golfinhos-de-dentes-rugosos.

“Eles estavam nadando em volta de uma rede de pesca, eram cinco ou seis que se revezavam em se aproximar. Eu achei estranho e fiquei preocupado com eles se enroscarem na rede”, diz. Para evitar que isso ocorresse, o biólogo se aproximou do local e puxou a rede – havia um pinguim-de-magalhães recém-morto preso ao instrumento. “Eu retirei o pinguim e rapidamente os golfinhos perderam o interesse.” Segundo Hugo Gallo, diretor-presidente do Instituto Argonauta, esse tipo de comportamento nunca havia sido registrado.

O banquete dos golfinhos aconteceu em frente a Praia das Enchovas, no lado oceânico de Ilhabela. No mesmo local, outro caso curioso se deu em 2018. Em junho daquele ano, uma jubarte morta encalhou ali. A maré forte jogou o corpo da baleia por cima das pedras que recortam a areia da praia, o que impossibilitou a retirada. Estacionada na desembocadura de um riacho, a baleia ficou se decompondo a poucos metros de uma casa da praia, residência de um caiçara chamado Anacleto. Quem já sentiu, conta que o cheiro é insuportável.

Comentários

Postagens mais visitadas